Queimar uma foto não basta. Você precisa usar as brasas para queimar também suas mãos. A dor da alma não é o bastante. Para consumar o luto, você precisa sentir no corpo, somatizar propositalmente. Como esquecer? E é preciso deixar de gostar para esquecer? E é preciso esquecer para deixar de gostar? Por que acha-se que para superar um abandono ou separação é necessário deixar de amar? São tantas questões e a resposta para cada deve ser completamente subjetiva.
É sobre esse período sombrio e pós-traumático que trata o incrível filme da diretora Malu de Martino. Muitos já abordaram o tema, tão delicado e pessoal, mas poucos conseguiram convencer na dor, em mostrar a profundidade dessa ferida, que muitos sequer entenderão. Muita gente esquece o velho colocando um novo no lugar e é exatamente isso que a personagem de Ana Paula Arósio, sabiamente, evita fazer. Júlia, professora de literatura esplendidamente interpretada por Arósio, prefere ir pelo caminho mais difícil: o de não tapar o sol com a peneira. Diria melhor: não tapar o buraco com palha. Quando um amor não só foi intenso, mas também responsável pela mais bela época de sua vida, é um erro tentar esquecer com um novo alguém ou no período imediatamente após. Você precisa descosturar fio por fio no seu coração. E isso leva tempo e coragem.
Júlia passa por todas as etapas: perde a vontade de comer (não, não é se entregar, a fome desaparece por conta própria), de conversar, de ver pessoas, o vazio é tão grande que quase engole. Em certo momento, a personagem parece completamente desprovida de qualquer vaidade, de qualquer orgulho. Alguns deixam de se alimentar, outros de tomar banho. Os insensíveis pensam "que pena, que horror... que falta de amor próprio!", mas quem já não passou por algo parecido que atire a primeira pedra. Cada um com seus sintomas. É comum ver-se com piedade de alguém que poderia ser você próprio. Por isso deveria-se parar de tratar quem sofre como uma vítima de si mesmo, pois até no sofrimento é preciso coragem para entregar-se por completo, viver intensamente a fase.
Como pode alguém, a quem nos dedicamos por tanto tempo, a quem demos carinho, corpo e coração, e pior, que nos dava tudo isso de volta; como pode esse alguém simplesmente virar, ir embora e nunca mais aparecer? Ou continuar por perto, mas ignorando você o tempo inteiro? A dor do abandono é inigualável e a direção sensível de "Como Esquecer" consegue transferir um pouco desse peso ao espectador. Em uma cena marcante, Júlia pede para que seu melhor amigo a amarre em uma cadeira, pois ela precisa expurgar aquela dor através do físico.
Interessante também é a total originalidade de Júlia. Alguém que não tenta seduzir, mas é de um charme natural, não forçado; alguém que não força simpatia alguma nem tenta ser tolerante com o que não tolera, como por exemplo nas cenas em que, sem fazer média, dispensa as tentativas frustradas de aproximação de uma aluna incoveniente. A personagem definitivamente tem singularidade, personalidade forte e carisma (não confundir com simpatia).
Outro aspecto chamativo na obra são os personagens secundários, principalmente os amigos de Júlia, interpretados com precisão por Murilo Rosa e Natália Lage. Também em períodos difíceis de suas vidas, um "carrega o outro no colo", movidos por uma solidariedade comovente e rara nos dias atuais.
A fase final (ou talvez a penúltima fase) também é vivida pela protagonista: aquela em que, finalmente, deixa-se alguém se aproximar - é então que entra em cena a personagem de Arieta Corrêa. Porém, diferente da maioria dos casos, aqui levou um bom tempo para acontecer e Júlia, sábia como só ela, refletiu bastante para evitar que uma pessoa que emergiu de repente servisse somente como um tapa-buracos confortável.
Certas cenas lembram de alguma forma a fotografia ou as paisagens do português "Um filme falado" e também de "Casa de Areia e Névoa". A melancolia é presente do início ao fim, mas o título da história é autoexplicativo: com toda essa tristeza, ainda assim será um filme inesquecível.
#gênero: Drama
#direção: Malu de Martino
#duração: 100 minutos
Trailer
Nota da Valéria: 9/10